As políticas de conciliação da esquerda parlamentar com as classes dominantes continuarão a perpetuar as políticas neoliberais de repressão, violência, austeridade e pobreza. O fascismo só poderá ser derrotado fora do parlamento por todos os meios necessários, através da ação direta e da mobilização radical de massas nos movimentos sociais e nas ruas.
O início de 2024 trouxe-nos mais uma campanha eleitoral, com todo o exaustivo processo de propaganda partidária, debates televisivos e discussão política nas redes sociais e nos media, sobre qual o(s) partido(s) político(s) mais capaz(es) de resolver os problemas das pessoas em Portugal, através da sua ação na Assembleia da República. Os resultados são aqueles que mais se temiam. A esquerda reformista burguesa foi completamente esmagada encontra-se cada vez mais enfraquecida, com uma vitória do conservadorismo reacionário da Aliança Democrática e um enorme crescimento do fascismo (assumido) com mais de 40 deputados do Chega.
Estes resultados eleitorais são um enorme pontapé na esquerda legalista e reformista parlamentar, que acreditaram, e acreditam ainda, que se pode vencer o fascismo e o capitalismo pelo voto na democracia representativa burguesa.
O fascismo só poderá ser derrotado pela ação direta e a mobilização radical de massas nos movimentos sociais e nas ruas. Apenas a luta de massas organizada e o acúmulo de força social e poder popular por parte da classe trabalhadora, nas suas próprias organizações, pode derrotar o fascismo. Só com a destruição do capitalismo, do Estado, e de todas dominações é que podemos evitar que o fascismo volte. É um longo processo de educação, organização e luta popular e proletária que tem de ser desenvolvido o quanto antes. Deste modo, o anarquismo e o comunismo tornam-se as únicas soluções viáveis. Nunca o fascismo poderá ser derrotado num país estruturalmente e sistemicamente racista, colonial, patriarcal, queerfóbico e capitalista.
Enquanto anarquistas e comunistas libertários, não acreditamos no parlamentarismo como método de resolução dos problemas coletivos e individuais da nossa sociedade, nem no parlamento como órgão representativo dos interesses das classes trabalhadoras. O Estado, com os seus órgãos de poder e governação, é uma instituição de dominação da classe burguesa sobre o proletariado, os trabalhadores e despossuídos. Uma instituição burocrático-militar, baseada na centralização de poder nas mãos de uma minoria de representantes das classes dominantes e em relações sociais hierárquicas de dominação, exploração e opressão, mantendo a maioria dos membros de uma sociedade afastados das tomadas de decisão políticas, económicas e sociais que lhes dizem respeito. Enquanto órgão que se posiciona acima da sociedade e fora da sociedade, o Estado serve apenas para defender os interesses da burguesia e dos seus burocratas, proteger a propriedade privada e perpetuar a exploração. Enquanto o Estado existir, o capitalismo também continuará a existir, e nós continuaremos a ser impedidos de possuir em comunidade os nossos meios de produção e existência, esmagados por uma dominação impessoal e alienante.
O parlamento é, portanto, o órgão político da classe burguesa. Como tal, não é no parlamento que os trabalhadores, estudantes, desempregados e outros, devem procurar a satisfação das suas necessidades e dos seus interesses. E mais importante do que debater se devemos ou não apelar à abstenção, ao voto em branco ou qualquer outra tática eleitoral, é definir de que forma se pode e deve agir politicamente. Em que organizações, locais, espaços sociais, com que objetivos e através de que métodos de tomada de decisão. Por outras palavras, se o parlamento é um dos órgãos políticos da burguesia, quais são os nossos?
Desde o século XIX, o proletariado tem vindo a criar autonomamente órgãos de poder popular político e social. Sindicatos de trabalhadores, moradores e estudantes, cooperativas, assembleias de bairro, comissões de fábrica, comunas rurais, concelhos de trabalhadores (sovietes) são todos modos de organização desenvolvidos para combater o capitalismo. Coletivos de base, feministas e queer, antirracistas, antifascistas, redes de apoio mútuo, grupos de luta pela habitação, pela defesa do ambiente e luta ecológica, e até grupos culturais e desportivos populares, podem todos ter o papel de espaços de política dos oprimidos.
A luta do dia a dia, a construção revolucionária gradual, é feita diretamente e autonomamente pelos próprios trabalhadores, pelos próprios oprimidos. É essencial investirmos as nossas forças e energias na militância diária no âmbito sindical, habitacional, estudantil, feminista, queer, ambiental, antiprisional, antirracista, cultural, antimilitarista, anti-imperialista, anticolonialista, e não desperdiçar energias acreditando em campanhas eleitorais e na política burguesa.
Os órgãos de poder popular não surgem pré-definidos nem podem ser uma invenção de uns quantos teóricos pseudorrevolucionários, mas surgem da própria luta diária e historicamente específica dos próprios trabalhadores, estudantes, oprimidos e despossuídos. A construção do poder popular é um processo de autocriação e auto consciencialização, que só se pode concretizar através da luta concreta e das discussões nos espaços frequentados coletivamente pelos explorados. O caminho faz-se caminhando, e é na luta que poderemos definir qual é a melhor forma de nos organizarmos com base em relações sociais igualitárias e voluntárias, para satisfazer as nossas necessidades e os nossos interesses coletivos e individuais.
Enquanto anarquistas e comunistas, é nesses espaços que devemos focar a nossa militância diária, onde podemos agir coletivamente, levar as nossas ideias e propostas e construir novas, em conjunto com os oprimidos. De outra forma, tornamo-nos nada mais do que agentes passivos na nossa torre de marfim, incapazes de fazer nada, condenados a apelar ao mal menor no parlamento.
Porque depois das eleições continua tudo igual. As políticas de conciliação dos partidos de esquerda reformista parlamentar e legalista com as classes dominantes irão continuar a perpetuar as políticas neoliberais de repressão, violência, austeridade e pobreza. O fascismo, enquanto não for combatido fora do parlamento por todos os meios necessários, irá continuar a crescer e a receber apoio, aceitação e normalização por parte dos liberais assustados e conservadores oportunistas. As pessoas dos bairros e comunidades pobres e marginalizadas vão continuar a ser despejadas das suas casas ou a viver em condições miseráveis enquanto pagam rendas elevadas. Trabalhadores vão continuar a ser explorados, o meio ambiente destruído pelas políticas estatais e capitalistas. Atos machistas, racistas, homofóbicos e transfóbicos continuarão a ser praticados, ignorados e protegidos pelo Estado.
É urgente organizarmo-nos, com base na livre associação, autogestão, cooperação, ação direta, apoio mútuo, amor, solidariedade e diversidade. Construir e participar nas organizações de poder popular, acumular força social e comunitária, para transformar a sociedade, em direção à abolição de classes sociais, do Estado, da propriedade privada. À destruição de todas as prisões, do exército e da polícia. Ao combate de todas as relações sociais de dominação: o patriarcado, o racismo, a homofobia, transfobia, o militarismo, colonialismo, imperialismo, especismo, capacitismo e a destruição da natureza. Por uma sociedade na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição necessária para o livre desenvolvimento de todos, onde a liberdade do outro estenda a nossa ao infinito. Um mundo no qual os meios da nossa existência nos pertencem a todos, coletivamente.
O local de voto dos anarquistas, comunistas e das classes trabalhadoras não é nas eleições legislativas, é no movimento social, nos sindicatos horizontais, nas assembleias de bairro, nas organizações da nossa classe e para a nossa classe.
>> Para ler o texto na íntegra, clique aqui:
https://uniaolibertaria.pt/anarquismo-e-parlamentarismo-a-revolucao-nao-se-faz-nas-urnas/
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2024/03/26/portugal-anarquismo-e-parlamentarismo/